Elas permitem que a gente compreenda princípios, situações, realidades e eventos de uma maneira complexa e profunda, sem que seja necessário o uso de muitas palavras.
Outra característica da metáfora é sua capacidade de manter escondidos alguns significados ou de ceder dubiedade a uma situação a quem ouve a metáfora e a analisa a partir de preconceitos, idéias prontas ou que já estabeleceu juízo de valores sobre uma determinada situação. Assim, normalmente, o sentido da metáfora escapa ao preconceituoso e se abre como o dia para quem está disposto a ouvir.
No Brasil, na minha opinião, o mestre da metáfora é o Chico Buarque. Suas letras de música durante a ditadura são obras de arte da metáfora, como em “Apesar de Você”, “Geni”, e “Cálice”, que discutiam temas sérios como a classe dominante, a constituição e a censura, que mandavam mensagens cifradas, esperança e análises políticas recebidas por quem ouvia e que passavam despercebidas por censores preconceituosos.
O mestre maior da metáfora foi Jesus. Suas parábolas e máximas desafiavam líderes políticos e religiosos e se tornaram revelações definidoras da vida e da prática da comunidade cristã ao longo dos séculos.
Para definir o Reino de Deus ele comparou-o a quatro coisas interessantes, como consta no título acima.
Muitas vezes a gente não percebe que essas metáforas dão dicas de como poderia ser nossa atuação como agentes do Reino. E de tal forma que basta ver o que a igreja anda fazendo por ai: Placas e mais placas, TV, rádio, shows enormes, comícios, partidos políticos, atuação junto ao poder, lideranças messiânicas, publicidade e mercado. Se já era ruim há alguns anos, a coisa tem se tornado insuportável ultimamente. Bastava uma leitura na Bíblia e as coisas poderiam ser diferentes.
Assim como Vinícius de Moraes, parece que a Jesus lhe agradavam os diminutivos: Abba, Talita, cordeirinhos. E assim ele fez com o Reino ao compará-lo a um grão de mostarda. Pequeno, insignificante, mas com todo o potencial de um grande arbusto, guardado no DNA daquela pequena porção de vida.
Além de ser pequeno, ele chamou a atenção para o fato de que deveríamos ser imperceptíveis. Ele usou para isso a imagem da luz e do sal, apesar de todas as exegeses complicadas, ele fala do poder de dar sabor e da capacidade de enxergar.
O sal e a luz têm em comum um fato: só são bons quando não se percebem.
Quando você consegue enxergar sal numa comida, certamente ela não poderá ser comida, ficará intragável e fará muito mal a quem tentar engolir. Quando você chega a perceber a luz, ela, que é necessária à capacidade de enxergar, te ofusca e cega.
Apesar disso ele disse que éramos o sal da terra e a luz do mundo.
Terra aqui se referindo à porção onde vivemos, ao lugar onde estamos, e mundo como o Cosmos criado. A visão de que o mundo está perdido, que as coisas são ruins e que nós temos que ir lá e impor uma outra maneira de ser é o contrário do que se vê em Jesus nestas metáforas.
Imagine uma salada, ou um ingrediente qualquer. Basta uma pitada de sal, bem pequena, e os sabores são realçados. Assim é o lugar onde a gente vive. Deus o criou cheio de potencial de sabores e vida, mas nossa mesmice e rotina, e nossa submissão apática os tornam insosso e sem graça. Bastaria uma pitada de nossa intervenção positiva para que se realçassem as qualidades de um lugar ou de uma situação. A isto ele se referia: À discrição com a qual nossa atuação como cristãos pode trazer vida. Para tanto, basta uma pitada.
E a luz? Ele fala de um candeeiro, de uma pequena fonte que ilumina e nos permite ver, enxergar, e acima de tudo permite a quem vê, elogiar o criador de tudo. Basta uma luzinha, para ver os detalhes em meio à escuridão. O excesso de luz, o holofote, torna muito desagradável o ambiente e remove a possibilidade de apreciar. Pouca luz, deixa-nos no escuro, muita luz, nos cega. O equilíbrio da atuação discreta, mostra a beleza.
Assim somos nós. Cada vez que a igreja chama atenção para si ou para seus líderes, diminui seu efeito potencial a ponto de estragar completamente, ou ofuscar ao chamar para si uma glória que deveria ser dirigida a Deus.
Por fim ele diz que o reino é como fermento. O grande barato do fermento é que, uma vez na massa, você não o vê mais, não pode identificá-lo, mas sua presença é indubitável e seus efeitos visíveis. Mas definitivamente você não pode separar nem ver o fermento.
Um modelo de religiosidade cristã como esse que experimentamos, com todos os excessos, de luz, de sal, de grandes projetos que parecem uma semente de abacate, e de identificação clara, são o oposto da proposta da vida apresentada por Jesus.
A igreja é percebida muito facilmente: placas em cada esquina, disputa de torcidas (sou católico, sou evangélico, sou sei-lá-o-que, adesivos dos mais exóticos aos mais engraçadinhos, livrarias, out-doors...) e o mundo cada vez mais sem sabor, feio, poluído e cheio de guerra.
Me chama a atenção que na América Latina, o país que tem 70% de população evangélica, a Guatemala, seja exatamente o país mais perigoso para se trafegar nas estradas pelo excesso de assaltos e corrupção e um dos mais atrasados em termos sociais, e conservador em termos políticos. Que a forte presença católica e protestante no Brasil, com suas respectivas torcidas organizadas, não faça deste país nada diferente ou a mais, e que seja um dos mais corruptos do mundo. E que exatamente a forte presença religiosa conservadora cristã americana é quem tem apoiado um homem de sangue e morte como George Bush, causador e perpetuador de males indescritíveis nos últimos 8 anos.
Salgamos demais, ofuscamos demais, aparecemos demais, temos projetos grandes demais como sementes de abacate e podemos ser encontrados na forma de tabletes ou secos em caixinhas, fermento, de fato, mas que não leveda nada por não estar em contato com a massa.
Eu finalizaria usando uma metáfora minha. Costumo dizer que cristãos são como esterco: quando juntos fedem, quando espalhados adubam.
Sei que não é das melhores, pois não sou nem o Chico, nem muito menos tão hábil quanto Jesus, mas que está na hora de a gente pensar diferente e voltar a sumir ai no mundo para que a glória seja dele e não nossa... ah, isso está.