quinta-feira, 5 de junho de 2008

Bonifácio e o meio ambiente

Hoje é dia do meio ambiente.

Engraçado chamar de “meio ambiente” aquilo que outrora chamávamos Natureza. A natureza é poética, se pode admirar, exaltar e deslumbra os olhos. Ninguém diz “Como é belo o meio ambiente” diante de cataratas ou de um verde deslumbrante; ou ninguém chama amorosamente de mãe, ao meio ambiente. Chamar a natureza de meio ambiente continua sendo uma forma sutil de colocar o homem no centro, e não como parte, pois é o meio que o circunda, que o serve, que pode ser, como diz a propaganda local do partido verde, “prejudicado em algum grau em prol do desenvolvimento”. Da natureza somos parte, somos um elo e um membro da família, fazemos parte da criação. Do meio ambiente somos donos, controlamos e administramos.

Como me lembra meu amigo Norbert Schmidt: “Poderíamos ir um passo além nesta reflexão uma vez que o conceito de natureza é também um conceito moderno. Somente na época romântica a natureza começou a adquirir “personalidade". O conceito de natureza substituiu um outro conceito já citado acima: o da criação”. Ao conceituar-se a natureza como obra da criação, apontamos para um criador, uma realidade além de si mesmo, logo algo que não surge do nada, mas da vontade de outro. Somente com o iluminismo o ocidente teve problemas com este “além de si mesmo”. A raiz da palavra natureza vem de nascer e do substantivo natura, significando nascimento, caráter, ser; só que a natureza não tem uma existência autóctone, mas deve sua existência a outro ser, nesse caso o criador, a quem se presta contas

Porém seja o que for, criação, natureza ou meio ambiente, são estas as vítimas de um processo de culto e adoração irresponsável. Adora-se ao dinheiro acima de tudo, para essa adoração cria-se uma religião e a religião do dinheiro é o consumo, e este tem sua veneranda entidade onipresente chamada de mercado. Adoramos e neles depositamos todas as esperanças, são eles que esperamos que nos tragam a paz, que nos dêem alegria, que dirigem o nosso trabalho e atividade. Em seus templos, chamados de Shopping Centers, exercemos o culto tresloucado de comprar e mostrar o poder do dinheiro. Neles encontramos tudo o que pode nos dar “paz”, lá as famílias caminham e passeiam, têm acesso aos bens que lhes trarão glória e prazer eternos (enquanto durem), inclusive neles encontramos o senso de comunidade, ainda que impessoal. Tudo parece perfeito no reino do mercado. Até os banheiros são lindos e limpos e a segurança total. A "adoração irresponsável" tem muito a ver com o fato que a natureza se tornou uma coisa sobre o qual não tem mais prestação de contas para um criador. Tudo ganhou vida em si, sacralidade em si. Tudo parece sólido e imutável.

Neste ponto se poderia aplicar a máxima de Marx “Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado”, pois a solidez do sistema e do culto revelado se mostra frágil e suscetível, abaixo da superfície do Reino do mercado, da adoração do dinheiro e da religião do consumo os sinais são evidentes de que existe um enorme apodrecimento que não lhe dá a menor sustentabilidade. Assim como o carvalho sagrado de Thor, que parecia resistente e eterno mas que era podre e carcomido por dentro - o que foi percebido por Bonifácio que lhe desferiu um golpe certeiro e o lançou ao chão despedaçando-o em quatro pedaços mostrando sua podridão e levando muitos à fé no único Deus verdadeiro - precisamos de serenidade e visão para enxergar a podridão das divindades que nos iludem.

Hoje, no dia do meio ambiente, no dia da Natureza, creio ser bom colocar as coisas em perspectiva e lembrar que o mundo nos oferece deuses que parecem sólidos, mas que estão podres, que propõem felicidade, mas ao custo de destruir e apodrecer, de gerar lixo em quantidades inadministráveis, de jogar na atmosfera o carbono que Deus (sim Deus é quem cuida da natureza!) gastou milhões de anos para colocar a milhares de metros abaixo da superfície e tornar este um jardim habitável para o ser humano, e que nós lançamos de volta no ar em menos de cem anos de ganância. Precisamos ter olhos para ver onde dar com o machado nesse ídolo e jogá-lo ao chão. E podemos, quase diria devemos, orar e pedir a Deus que levante entre nós não somente ambientalistas da moda, mas desafiadores dos deuses que destroem a natureza e que, essencialmente, tornam inabitável o lugar que Deus escolheu para coroar a sua criação.

Que Deus tenha misericórdia de nós neste dia e que possamos, como Bonifácio, ter olhos para ver, coragem para empunhar o machado e força para desferir o golpe.

3 comentários:

Anônimo disse...

Poderiamos ir um passo além na reflexão - o conceito da natureza é um conceito moderno, ela é uma coisa que somente na época romântica começou a adquirir "personalidade" O conceito de natureza substituiu um outro conceito - o da criação, que aponta para um criador, uma realidade além de si mesmo. E somente começando no iluminismo o ocidente teve problemas com este além. A raíz da palavra vem de nascer e do substantivo natura, significando nascimento, caráter, ser, só que a natureza não tem um ser autóctono, mas se deve. Eu acredito que a "adoração irresponsável" tem muito a ver com o fato que a natureza se tornou uma coisa sobre o qual não tem mais prestação de contas para um criador.

Anônimo disse...

Três passos aparentemente simples e ao mesmo tempo inalcançáveis.

1) Olhos para ver: numa época em q temos acesso a informação e cultura de vários países e gerações, continuamos vendo o que nos mandar ver

2) Coragem para empunhar: na realidade imediatista e materialista que vivemos essa coragem muitas vezes cai por terra ao primeiro sinal de dificuldade

3) Força para desferir o golpe: ouvi uma frase num filme que dizia que existe uma grade diferença entre conhecer o caminho e efetivamente percorrer o caminho...

Claudio Oliver disse...

grande patrício
o barato é que diante do impossível, do improvável e do inalcançável, a Vida nos surpreende, e o milagre é, de fato, que a entropia, que é o natural aquilo que é o fato, se inverte e mostra que um outro mundo é possível. Sem a transcendência e diante do inalcançável, a alternativa que sobra é tirar cada um o seu bocado por que não tem jeito. Mas é exatamente saber que dá jeito, que existem outras alternativas que nos levam a criar minhocas, andar de bicicleta e inverter o vetor da destruição.
e se tem alguém que eu conheço com olhos pra ver, coragem e força, esse alguém é você
Forte abraço e saudades
Claudio