O livro de Lamentações de Jeremias possui uma frase que sempre me marcou muito "lembro-me também do que pode me dar esperança"(Lam. 3:19). No seu contexto ele fala do que lhe desanima: lembro-me de minha aflição, do meu delírio, da minha amargura e do meu pesar, lembro-me disso tudo e minha alma desfalece.
A memória é uma espécie de chave da nossa situação emocional. E naturalmente somos mantidos estáveis por um fato normal que é a capacidade de se lembrar mais das coisas boas do que das ruins que passamos em determinados períodos da vida, de forma que ao olhar para o passado a maioria de nós guarda as lembranças boas de maneira mais forte que as desagradáveis. Este é um mecanismo conhecido e reconhecido por todos.
O que Jeremias diz neste texto é que apesar de viver uma situação difícil ele lança mão de uma estratégia para se manter à superfície enquanto tantos afundam em depressão: O bom uso da memória. Ele não propõe uma absurda negação de problemas, que ele reconhece e admite, mas a palavra "também" aparece ai como chave. Em meio a fluxos de pensamentos que lhe desanimam e deprimem, vemos esse homem usar a palavra chave: também.
Quem tentar, romanticamente, negar a existências de problemas, ou fingir que não os vive, terá dificuldades em se manter cheio de esperança por muito tempo, logo esta será substituída por mais depressão. Mas quem, diante de problemas ou situações deprimentes aprende a contrabalança-las com a partícula 'também', iniciará um diálogo entre as duas realidades, que não só trará esperança, mas muito provavelmente soluções.
O uso da memória de maneira a nos lembrar do que pode dar esperança é uma estratégia ao alcance de qualquer um.
Vivemos a moda das ondas de depressão. Hoje, em uma escala muito superior ao passado, os quadros de depressão são comuns e medicados com freqüência, como forma de tentativa de superação. Não somente aumenta a proporção de casos, mas estes atingem faixas de idade cada vez mais amplas, não sendo incomum o absurdo fato de termos crianças deprimidas.
E qual a razão disso?
Há alguns anos atrás, minha esposa, em meio a uma crise que nos abalou profundamente, teve o texto de Romanos 5 como algo que a sustentou. Um dia ela me mostrou o texto e este passou a ser um marco na minha trajetória de vida, e com certeza da dela. O texto aponta para um convite: fiquem de pé e exultem na esperança. Muito semelhante ao convite do Salmo 100. Um convite não a uma exaltação alienada, mas baseada em uma razão concreta: termos sido recebidos com portas abertas, termos livre acesso a Deus, havermos sido feitos por Ele e escolhidos como seu povo, e ter sido trazidos até onde fomos por sua graça. E isso é motivo para pular, ficar em pé e gritar em adoração.
Mas ai ele fala uma coisa totalmente fora de moda em nosso tempo: Façam a mesma coisa quando estiverem totalmente cercados de problemas por todos os lados, porque nós sabemos como os problemas podem desenvolver uma apaixonada paciência em nós, e como a paciência forja em nós a virtude da têmpera do aço, mantendo-nos alertas para o que Deus fará a seguir. E em alerta expectativa como essa, nós nunca seremos decepcionados, bem ao contrário – nós prepararemos reservatórios que não serão suficientes para conter tudo o que Deus generosamente preparou para nós pelo seu Espírito Santo.
Filhos da sociedade da anestesia, perdemos, e não damos a nossos filhos, a oportunidade de acolher o sofrimento como parte da vida. Retiramos limites e restrições, facilitamos e gostamos que nos facilitem tudo, removemos as tensões, damos todas as condições possíveis, fugimos do sofrimento, buscamos a tranqüilidade, nos adaptamos ao mundo, não nos submetemos a longos períodos de espera. E, ao contrário do que se poderia esperar, não vemos pessoas mais felizes, mas cada dia mais pessoas deprimidas.
Temos tudo, protegemo-nos de tudo para não sofrer, e com isso geramos um estado geral de desesperança e apatia.
Encarar o sofrimento e a angústia como parte da vida, e não como exceção a ela, forja em nós uma tremenda expectativa para saber o que Deus fará a seguir, sentimento também conhecido como ESPERANÇA.
O povo de Israel, ao ser feito povo de Deus, passou pela opressão do Egito, pela angústia diante do mar, e depois por um deserto sem fim. Foi daí que surgiu a esperança, foi no fim dele que perceberam que um milagre havia acontecido debaixo de seus pés: Suas sandálias duraram 40 anos. Foi na dureza de caminhar no deserto e de passar por tudo aquilo que surgiu a expectativa de sempre ver qual vai ser a próxima boa surpresa de Deus – fosse água da rocha, maná ou a cura de doenças. A confiança nele e a capacidade de passar por tudo que passou o povo judeu, veio destas vivências e não de uma vida cômoda, segura, protegida e reservada de passar dificuldades.
Só quem anda no deserto, e tem coragem para seguir em frente vai poder viver a experiência de sandálias que nunca se desgastam. Quem evitar andar para não gastar as sandálias, não as gastará, mas não as verá durar milagrosamente, nem chegará a lugar nenhum
Um comentário:
Oi Claudio
Adorei o texto, você voltou com a corda toda. Foi profundo, é isto mesmo que está acontecendo, uma anestesia,uma apatia geral. Os jovens pederam a vontade de lutar, é um desanimo total. Gosto quando traz o evangelho para nossa realidade pois assim ele se torna usual, prático. Já encaminhei para vários amigos pode contar comigo.
Beijos
Lirane
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