sábado, 14 de junho de 2008

Uma velha arte







A que ponto chegamos....

Recentemente comecei a sentir que chegou a hora de me envolver em mais um aspecto do resgate da nossa perdida humanização. Antes de contar qual é, acho que seria bom relatar por quê.

Eu creio, e creio mesmo, que o propósito de Deus para o mundo é o seu resgate. Mas as palavras que a gente usa para definir este propósito são não só limitadas como muitas vezes confusas. Quando se fala em “resgate” ou em “salvação” a primeira imagem que surge na cabeça é a de um bote salva-vidas, é retirar alguém de algum lugar e colocá-lo a salvo.

São outros aspectos das palavras os que na verdade guardam o sentido do que se apresenta como plano de Deus. O sentido de ambas as palavras está mais próximo do conceito de restauração. A batida palavra salvação, vem do grego “soter” que vai dar origem à nossa palavra SUTURA, ou seja remendar, ou salvar, ou resgatar algo que se encontra danificado.

Deus nos criou à sua imagem, no grego EICON, ou ícone. Somos e continuaremos a ser ícones de Deus, seus símbolos nessa terra, que o representam aqui. Entretanto somos ícones quebrados, danificados por nossa própria escolha de sermos e agirmos como se fossemos pequenos deuses que determinam autoritariamente o que é melhor para nós e para qualquer um que seja mais fraco que a gente, seja bicho, gente, planta ou estrutura. E com isso seguimos danificando tudo.

O propósito de Deus não é vir aqui, escolher uma meia dúzia e levar embora sei lá eu para onde. Não, o propósito de Deus é retomar seu domínio, restaurar a ordem, sanar a terra, curar as feridas, enxugar as lágrimas e garantir a emergência da vida, e vida em plenitude. Mas Deus não veio fazer isso como um poder equivalente ao mal presente, e usando as mesmas armas, mas lançando mão do convite, do convencimento, e da implantação de células subversivas desta ordem necrófila na qual vivemos onde o ser humano oprime a toda a criação e em especial a outros seres humanos, o que torna a própria opressão insustentável. E isso porque seu poder é infinitamente superior.

E como agir nessa subversão que aguarda a volta do Rei? Vivendo em duas dimensões: Como deveria ter sido e como deverá ser.

Tudo isso se traduz em ações muito simples e corriqueiras, que nos levam a pensar como compramos, criamos filhos, resolvemos problemas, relacionamos com o ambiente e com o próximo, anunciando como é o Reino de nosso Deus, até que Ele venha.

Eu penso que a simplificação disso ao discurso, ao proselitismo, a usos e costumes e a uma propagação de um evangelho de bote salva-vidas, que se tira alguém de algum lugar é da realidade, não só mancha como impede que o mundo veja a realidade de um Deus amoroso, bom e fiel em sua promessa e intenção de ter-nos com Ele.

Tenho me envolvido em várias coisas nos últimos anos, comprometido com essa restauração: ficar amigo de mendigos, cuidar de adolescentes, estimular o empreendedorismo e a iniciativa pessoal, fomentar negócios, andar de bicicleta, criar minhocas em apartamento, estimular o consumo orgânico, reduzir ou eliminar o uso de plásticos, reciclagem, permacultura, amizade, artes e artesanato, cuidar dos filhos e discutir sobre a educação de filhos. E o que mais me espanta é que essas e outras iniciativas são consideradas utópicas, irrealistas e sonhadoras.

Ora... a que ponto chegamos...

Olhando bem - olha com cuidado - eu só faço aquilo que era comum à sua avó fazer! Mais nada.

Agora estou iniciando um outro movimento: O movimento de vizinhança (clique aqui e acesse o site). E para fazer o quê? Falar com o vizinho, andar na rua, restaurar a confiança, obter silêncio, calma e paz, ter um ambiente seguro para crianças.

Antes que você me chame de sonhador... pense um pouquinho em como vai se individualizando a nossa vida, como por trás deste mito de privacidade a gente se desumaniza, e como a risadinha de quem olha para isso e pensa ser coisa de maluco ou de quem não tem o que fazer (aliás tenho, e muito) esconde a perda da humanidade que reside em cada um como imagem e semelhança de Deus, revela o desbotamento o ícone, a perda do brilho e da chama, e convida a cada um à busca da restauração da vida perdida em tantas camadas de poeira e graxa por anos de individualismo e prática de dirigir a própria vida de seu próprio jeito.

Segundo a Bíblia “a criação aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus” (Rom 8:19)... e você ai quietinho sem se manifestar.

Salvar e resgatar é restaurar aquilo que se havia perdido, para isso veio Jesus. E o que se perdeu? Nossa humanidade, nossa capacidade de conviver, nossa igualdade e nossa inocência. Com isto se perdeu um jardim, hoje transformado em um lixão.

Minha esperança reside em que o lixão de vida que se tem não terá a palavra final, mas sim a graça do Jardim. Até lá tenho uma escolha: ou me acostumo com o lixão, ou anuncio com minha vida a Vida que virá.

Não é inventar ou fazer nada novo. É somente reaprender uma velha arte natural recentemente esquecida: viver em comunidade, em paz com todos, cuidar da criação e ousar dizer não para os frutos proibidos, diariamente ofertados para nos darem a sensação de que somos deuses.

A que ponto chegamos...

4 comentários:

Anônimo disse...

Legal o post! Estamos dentro!
Dago e Ci

Anônimo disse...

achei muito legal e vi o bolg dos vizinhos e me pergunto: a que ponto chegamos, que temos que re-aprender a ser vizinhos? loucura!
eu e minha famílai temos experimentado a vizinhança em vários sentidos: trocando pedaços de bolos, receitas de casaquinhos, uma criança que sai com um pacote de biscoito para dividir com as outras que brincam na rua, outro vizinho que abre sua cadeira de praia na calçada e chama o outro para uma cervejinha...pode começar em qualquer lugar e pode começar com você. Boa caminhada!Yuka

Anônimo disse...

Nós temos tido ótimas surpresas com os nossos vizinhos, lanche improvisado, cerveja na escada, comidinhas compartilhadas, troca de auxilio com as criancas...é natural e legal!!
Bruno e Marcia

Luis Patricio disse...

Eu vivi por muitos anos uma boa vizinhança e agora sinto um pouco a falta disso.

Dizem que isso é normal por aqui que os "curitibocas" são fechados.

É verdade que eles são um pouco mais reservados que os meus conterrâneos, mas eu não acho que seja esse o problema.

Eu lembro q mesmo qdo eu tinha uma vida comunitaria mais ativa, entrar na casa dos outros era uma questão delicada.

A vida acontecia nas calçadas e varandas das casas. Sem maiores comprometimentos. Todos podiam recorrer ao seu santuario individual.

Mas hoje em dia, a cidade grande não tem mais os espaços semi-publicos onde você pode se relacionar com as pessoas.

Somos cada vez mais empurrados para espaços confinados: pra dentro do shopping, pra dentro do condominio, pra dentro do carro, pra dentro do escritorio.

E convidar todo e qualquer vizinho pra tomar cha com bolinho na sua sala não é pra qualquer um...