sexta-feira, 18 de julho de 2008

Imagem é TUDO

Isaías 41:21-29 e 44:9-17

A etapa presente da história poderia se caracterizar pela expressão “Imagem é tudo”. Vale muito pouco o que se é, e muito o que se parece ser. Neste sentido é mesmo um mundo de ilusão. Mas por cada imagem produzida, a maioria das pessoas se dispõe a lutar para que a mesma seja mantida. Pior, por cada imagem 

a pessoa se dispõe a trabalhar, se esforçar, dedicar mente e coração, tempo e dinheiro.

Sem perceber, a imagem criada, de si, da sociedade, dos sistemas filosóficos, dos sistemas políticos - cada construção feita - vai tomando conta de nós e por elas trabalhamos, nos esforçamos, dedicamos mente e coração, tempo e dinheiro.

Mas o que é essa dedicação de tempo, dinheiro, emoções, intelecto, empenho e trabalho?

Isto é conhecido como adoração, que se traduz na dedicação total àquilo que considera-se como superior a si mesmo, logo a quem voluntariamente me subordino. 

Uma visão simplista busca qualificar como ídolos e imagens somente às esculturas e pinturas, o que nos faz  lembrar do Taleban quando, por zelo religioso, explodiu os budas gigantes no Afeganistão. A obsessão e o reducionismo a combater tais coisas demonstra somente a incapacidade de perceber que não é a escultura que precisa ser desmascarada, mas o que ela representa é que é o verdadeiro ídolo. Sendo assim, o altar a ser destronado e destroçado é o do coração, onde se aninham os ídolos1 que nos dominam a vida.

Os ídolos são bem mais que suas simples representacões esculpidas, pintadas ou na forma de logomarca. Eles possuem características peculiares e que podem ser reconhecidas a partir do texto de Isaías citado no subtítulo. A primeira delas é que os ídolos tem o hábito de dizerem poder prever conseqüências futuras caso não sigamos seu sistema de valores e de estabelecerem explicações sobre o passado que demonstrem sua superioridade. São especialistas em futuro e passado, usando lógicas próprias que lhes garantam o domínio presente. Outra é que os ídolos gostam de prometer o melhor para depois, e pedem por isso a sujeição do hoje baseada em suas promessas.

Observe alguns dos ídolos presentes: o mercado, a beleza, o dinheiro, a influência, o desenvolvimento, o progresso, a carreira, o reconhecimento público; ou alguns dos ídolos anteriores: o estado, os sistemas políticos, o partido, o pensamento científico, o materialismo.

São alguns exemplos de coisas pelas quais as pessoas empenham a vida e os recursos que possuem, que prometem um futuro melhor, que explicam como o passado clamava por eles que agora chegaram, e que sem eles agora tudo daria errado, que assim nos fazem temer perde-los – pense no seu emprego - e que Deus desafia em Isaías 41:23 “Façam alguma coisa, boa ou má, para que nos rendamos, cheios de temor”.

Isso mesmo, por que nem mesmo ao fazer o mal tais ídolos tem conseguido manter a palavra final, independente de todas as desgraças que causam, a história demonstra que mesmo ai, mesmo coisas terríveis como o nazismo ou o Stalinismo, o sistema feudal ou a escravidão no Brasil, acabam perdendo seu poder absoluto e mostrando que nem mesmo seu mal é permanente.

O problema com a falsidade dos ídolos não reside em que eles sejam inexistentes, mas em que não são os deuses que afirmam ser. A Bíblia não nega sua existência, como seria ridículo negar a existência das coisas acima citadas. O que ela nega-lhes é o altar, é o poder de determinar nossas vidas, e acima de tudo, de possuir nossa força, sentimentos, tempo, recursos e inteligência; é negado a elas o nosso amor, manifesto em tais coisas.

No capítulo 44 de Isaías, os ídolos são reduzidos ao que verdadeiramente são: instrumentos, meios, combustível, coisas que deveriam estar a nosso serviço e sob nosso controle enquanto simples coisas, mas sobre os quais, iludidos, depositamos nossas esperanças e gritamos “Salva-me, tu és o meu Deus”. Duvida?

Pois na hora que a coisa aperta em quem você confia? De onde espera a solução?

O que ouço das pessoas é que seus problemas acabarão quando tiverem dinheiro, um emprego, ou se entrarem no mercado, ou se não saírem dele, ou se ganharem uma causa na justiça, ou se a lei mudar, se o governo mudar, se a política, a educação ou o partido se tornarem prioridade, se chegar o desenvolvimento, se ganharem uma carreira, se outra ideologia se tornar dominante, seja ela ecológica ou tecnológica. Ao dizermos isso transformamos tais coisas em deuses, ídolos, e nos subordinamos a eles.

Ao contrário disso a Bíblia nos lembra de dois fatos: que temos uma dignidade implícita que deveria ser um freio em nossa tendência de nos inclinarmos, sujeitarmos e entregarmos a qualquer coisa que nos tome a liberdade, e roube a autonomia. E que temos somente um Deus, um Senhor de onde provêm nossa dignidade, uma vez que fomos criados à sua imagem e semelhança, para que tivéssemos uma relação com Ele, baseada na liberdade e na insubordinação às coisas e na amizade com Ele.

As coisas são coisas, podem ser boas ou ruins, usadas ou não, abandonadas, substituídas, superadas, revisitadas, mas são sempre relativas a um tempo, espaço e contexto. Muitas vezes podem ser úteis e delas podemos lançar mão ou não, nada mais, nada menos que isso. E só isso. Não é necessário negar sua existência ou utilidade, ou que se lhes deve negar é o status de deuses, de referências para nossas vidas.

Somente Deus tem a palavra final, somente Ele garante o futuro, somente Ele explica o passado, garante o presente e aponta o futuro de maneira confiável, seja pelo bem histórico e durável que realiza, demonstrado de maneira definitiva com o fato da ressurreição de Jesus, seja pela maneira definitiva como, quando sua mão pesa com justiça sobre algo, esse algo simplesmente deixa de existir, se extingue e vira peça de museu.

Melhor confiar nele que nos ídolos do presente.


“todos os que fazem imagens nada são” Is. 44:9 


1- Luiz Eva tem um excelente artigo onde citando Francisco Toucinho (também conhecido como Francis Bacon) diz: “Bacon distingue quatro espécies de impedimentos que atuam contra nossas pretensões de obter a verdade: os “ídolos da raça” (idola tribus), decorrentes das imperfeições de nossas faculdades de conhecer — seja o intelecto, comparado a um espelho deformante que, exposto aos raios das coisas, mistura sua própria natureza à delas, falseando e embaralhando; uma faculdade refém de erros sistemáticos que ela própria é incapaz de corrigir, seja pelas suas próprias forças, seja com o auxílio da dialética; sejam as imperfeições dos sentidos, que, embora constituam a instância à qual se deve tudo perguntar na pesquisa da natureza, diz ele, “a menos que se queira delirar”, são por si algo de fraco e enganador e não podem, quanto a isso, ser auxiliados pelos instrumentos inventados para aguçá-los e estender seu alcance. Em seguida, os “ídolos da caverna” (idola specus), gerados, segundo Bacon, pela diversidade própria da natureza de cada indivíduo, e dependentes das diferenças do corpo, da alma, da educação, do hábito, das circunstâncias fortuitas e do modo como são afetados pelos objetos. Já os “ídolos do foro” (idola fori) são aqueles particularmente residentes nas imperfeições da linguagem humana, enquanto que os “ídolos do teatro” (idola theatri) são aqueles pelos quais Bacon metaforicamente alude aos mundos imaginários inventados pelos diversos sistemas filosóficos vigentes, constituídos por noções fantasiosas e imperfeitas (dentre as quais ele enumera as de “ser”, “substância”, “elemento”, “matéria” etc.) e por demonstrações defeituosas que são, nas suas palavras, os sistemas em potência.” EVA, Luiz A. Sobre as afinidades entre a Filosofia de Francis Bacon e o ceticismo. Belo Horizonte:  KRITERION, nº 113, Jun/2006, 79. 


2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom Claudio! Suas palavras evidenciam quão inconsistentes nos tornamos quando no Domingo declaramos que dependemos e confiamos em Deus, mas de Segunda a Sexta nossas ações e atitudes demonstram que na verdade nossa esperança está no nosso emprego. Continue profetizando cara...

Luis Patricio disse...

Ontem mesmo eu tava lendo um livro chamado Identidade que fala sobre a criação da identidade nacional nos estados modernos e como isso, por ser artificial e imposto, passou a ser um ídolo que legitima a subordinação incondicional dos indivíduos.

Haviam antes comunidades livres que decidiam o seu próprio destino e nem compreendiam o conceito de identidade, pois o simples fato de estarem ali já determinava o seu papel de forma única e exclusiva:

"Foram necessárias a lenta desintegração e a redução do poder aglutinador das vizinhanças, complementadas pela revolução dos transportes, para limpar a área, possibilitando o nascimento da identidade - como problema e, acima de tudo, como tarefa"Zygmunt Bauman