quarta-feira, 16 de julho de 2008

Hominizados ou Humanizados?

Deus tem planos bons para nós. Como Pai ele tem intenções e desejos de proporcionar o melhor. Eu sinto o mesmo com relação à minha filha, a quem amo profundamente e com grande carinho. Eu quero, assim como Deus quer pra mim, o melhor para ela. São planos de amor, paz, segurança; um desejo enorme que ela realize sua humanidade plenamente e que não entre pelo caminho do "ser menos", mas que explore aquilo para o que ela foi criada: a plenitude da experiência humana.

Na verdade, esta minha relação com minha filha - traduzida em atos de amor, cuidado, estabelecimento de limites, disponibilidades de oportunidades e a busca de proporcionar experiências gratificantes, a inclusão dela em uma comunidade, dar-lhe um nome, ambientá-la com as melhores pessoas possíveis, permitir o estímulo de sua inteligência – é somente um reflexo do mesmo desenho de relação de Deus para comigo e para com todos.

Em troca existem poucas demandas, mas a principal delas, e a que mais provoca a tristeza e indignação é quando sua inclinação natural, como a de todos nós, a leva a diminuir a humanidade nela para sujeitá-la ao reino dos instintos.

Como animais, temos ampla relação com o resto da natureza e compartilhamos não somente genes – para os evolucionistas mais entusiasmados somos 99% semelhantes geneticamente aos chimpanzés... e 25% iguais a uma banana ainda que isso não me faça inclinado a imergir-me em uma salada de frutas. São diferenças percentuais pequenas, porém não são nem os 75% de diferença de uma banana, nem mesmo o 1% de um chimpanzé, que me tornam diverso e particular em relação aos meus irmãos e irmãs da natureza criada. O 1% que falta ao chimpanzé é somente a quantidade de genes que serve para me hominizar. É uma outra peculiaridade, para além da genética, a que é capaz de me humanizar. É a imagem e semelhança com Deus em mim, mediante a presença de seu sopro, seu Espírito, que me torna mais que animado, me faz vivente.

Esta ligação íntima, perdida quando sou - como parte da humanidade - levado a me tornar minha própria referência, pode ser recuperada mediante a mudança de minha mente, a submissão à Deus e ao seguimento de Jesus. E o que torna possível a ele tal capacidade é o cancelamento das barreiras que impedem a plena humanidade realizado pela encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus, que assim tomou sobre si as conseqüências de nosso devaneio antropocêntrico e antropolátrico1.

Pois bem, mas estes desejos e o cuidado de Deus por nós, revelados em textos bíblicos como o Salmo 92, ou Levítico 26:3-13, não é nem automático, nem proporcionado por um pai leniente ou caracterizado como um papai noel espacial. Eles são frutos da interação do desejo do pai, com a atitude dos filhos, com a escolha entre a apática inclinação para atender aos impulsos e instintos, ou à intencional atitude para superar-se e aproximar-se cada dia mais do pleno desempenho de nossa humanização e o florescimento de nossa humanidade.

Não vivemos em um mundo onde o bem é determinístico, nem o mal pré-determinado, não estamos sujeitos a um destino inescapável. Ao contrário somos parceiros de Deus na história e o bem e o mal são fruto da interação entre o desejo de Deus, as condições objetivas da realidade e de nossas escolhas. No próprio texto de Levítico 26, a partir do verso 14 temos o aviso das conseqüências. Não são castigos de um pai irritado com o filho rebelde, são explicitações das conseqüências, que da mesma forma que as boas promessas, provêm em última análise das mãos do mesmo Senhor, fonte de todas as coisas. No relato do texto é interessante notar que as "repreensões" tem a finalidade do retorno ao desfrute da plenitude, até o ponto em que a escolha leve a ser espalhado, desestruturado e dissolvido, e percebe-se, mesmo nessa situação, um insistente pai restaurador.

Mas, como seria possível resumir as condições para o experimento e desfrute desta plenitude, da plena liberdade ( Lev.26:13) e da autonomia (I Tess. 4:12b)? Em resumo encontramos duas condições e algumas descrições em I Tessalonicenses 4:1-12:

1- Abstenção da imoralidade;

Este é um tema tenso para tratar, uma vez que a primeira coisa que vem à mente é o moralismo, uma ideologia não melhor que nenhuma outra. Vivemos em um tempo de disponibilidade desenfreada de satisfação de toda e qualquer pulsão sexual,e uma posição moralista pode ser uma resposta fácil a um tema difícil. Estamos expostos a cenas diversas, das picantes insinuações à pornografia explícita, da frouxidão ética à propaganda da libertinagem, da presunção de naturalidade em relações escandalosas, à sexualização das opções de compra. Posso parecer moralista, mas pediria um minuto de seu raciocínio.

Somos parte da natureza e como tais providos de instintos que nos foram concedidos com a explícita função de sermos capazes de transmitir nossos genes adiante. Temos isso em comum com insetos, répteis, mamíferos e todas as formas de vida. Sendo parte das formas superiores de vida, esta atividade é carregada com uma característica especial denominada prazer. A satisfação da possibilidade de prazer tem seu caminho mais curto na atividade sexual. Acontece que diferente dos demais animais temos a possibilidade de executar abstrações, imaginar e planejar com o objetivo de obter tal prazer e, para nosso espanto, descobrimos em nosso processo de humanização outras formas de prazer possíveis e para além da sexual: nos esportes, na leitura, na arte, na criação até a mais elevada forma de prazer: o deleite de estar com Deus.

Uma das formas, já bem descrita por Freud, de experimentar estes outros prazeres e estabelecermos mais conexões entre nossos neurônios, inventarmos mais, criarmos mais é evitamos o caminho fácil e disponível da obtenção deste prazer e da satisfação de nossas pulsões de forma rápida e intensa pelo sexo.

O sexo é ÓTIMO, ótimo sempre e em qualquer idade, e esse é o negócio. Por ser ÓTIMO, podemos simplesmente obter tudo o que queremos em termos de prazer sem grande esforço, como quem come chocolate, açúcar, ou carne para obter a energia, as calorias e as proteínas de que necessita. Nada contra chocolate, algum açúcar e até mesmo alguma proteína animal, mas todos sabem o que se obtém junto com a energia, calorias e proteínas de uma dieta exclusiva: obesidade, doenças degenerativas e alterações de humor. Da mesma forma, a imoralidade sexual proporciona rapidamente o que de outra forma seria um enorme diferencial na vida, levando-nos a cada vez querer mais e com um pequeno detalhe: tornando-nos mais ignorantes, burros, ansiosos e com muito menos conexões cerebrais. Isso acontece porque nossos neurônios não são forçados a buscar vazão para nossa pulsão, não temos de criar novas conexões. Por isso, por exemplo, que estender o tempo de ser criança, evitar a sexualização precoce – uma praga em nossa cultura leniente, e estabelecer limites e freios tem bem mais a ver com ser inteligente, criativo e genial do que simplesmente uma escolha moralista burguesa. Isso cria barreiras não simplesmente morais, mas acima de tudo nos livra da ansiedade do consumo, de sermos vítimas fáceis das compras por impulso, da obtenção do prazer fácil do entretenimento, e abre a porta à geração de cultura. O sexo, é como um rio, mantido em suas margens e contido pode gerar energia indescritível, deixado transbordar e extravasar sem limites causa destruição, morte e dependência. Sinceramente, bem mais que um problema de moralismo.

2- Amar o seu próximo como a você mesmo.

O texto de Tessalonicenses diz: "Ninguém prejudique seu irmão, nem dele se aproveite". A segunda chave é essa. Simples e dependente do reforço da autonomia pessoal. A negação dessa possibilidade nos leva a buscar contratos, regulações, pacificações, restrições, governos, polícias e políticos.

Pois é... você reclama dos políticos? Pois eles existem, na forma que existem, por que você delegou a regulação de seu relacionamento com seus próximos a outras pessoas que não você mesmo. Como dá muito trabalho amar e dar ao outro o que você gostaria de ter, você acaba arrumando um governo para te taxar, multar, controlar, impedir, autorizar, prender, punir, achacar, restringir, limitar, remover, prescrever, legislar, determinar, azucrinar, mentir e outras coisas que eu não preciso te lembrar.

A malandragem, se dar bem, passar na frente do outro na fila, ocupar aquela vaga no lugar do outro, achar que tem mais direito que o outro no trânsito, retirar os espaços de convivência de sua vida, agir com esperteza em contratos, tirar vantagem da distração do outro, são práticas que só chamam a atenção quando são grandes e observadas nos outros. Mas são a fonte da ruína e da opressão, da violência e da injustiça, marcas tão fortes em nosso contexto brasileiro. De novo, tais coisas não podem ser tratadas somente de um ponto de vista moralista, mas de muito mais profundidade.

Viver de tal forma traz vantagens, permite alguma obtenção de prazer e satisfação imediatos, mas torna insustentável a comunidade. Vivemos uma crise de violência em escalada inimaginável, matamos tanto quanto em qualquer guerra, deixamos a natureza ser dilapidada e recursos que pertencem a todos serem consumidos por poucos e esgotados. Onde isso tem nos levado? Onde irá nos levar? Que esperteza nos manterá como espécie? Até onde a fé na tecnologia vai enganar a você? Ou nem dá para perceber que, ainda que houvessem tais soluções tecnológicas para os problemas citados elas seriam sempre para poucos e para os mais espertos? A não ser que você creia que um dia um foguete socialista vai nos levar a outra galáxia a todos para tentar de novo...

Cortando as firulas e rapapés Deus chama as duas formas de lidarmos com nossas pulsões – o egoísmo e a imoralidade – de IMUNDÍCIE. Que é sinceramente a condição na qual se vem estabelecendo no planeta, tanto do ponto de vista ambiental quanto do ponto de vista moral (tem dúvida vai dar uma volta no seu quarteirão, te juro que não precisa ir ver o desmatamento no Mato Grosso, nem freqüentar o congresso nacional ou participar de alguma da orgias semanais promovidas por grupos 'liberais').

A agenda de Deus pra nós não é complicada, e começa com coisas bem simples em conseqüência desta reflexão:

Esforcem-se para ter uma vida tranqüila:

1- cuidar dos seus próprios negócios e trabalhar com as próprias mãos

2- andem decentemente aos olhos dos que são de fora

3- não dependam de ninguém

Parece simplista? Bem, assim pensava a sua avó, e antes dela várias gerações que a precederam, e ao contrário disso pensaram muitos impérios, que existiram antes de nós, que hoje observamos nos museus e dos quais podemos saber qual foi o fim. Cabe a cada um fazer a sua escolha: parte do problema, ou parte da solução, dela depende o futuro, nosso e da humanidade.

1 Dicionário Houaiss: substantivo feminino 1-adoração do ser humano deificado; 2 - culto a um deus que apresenta forma humana 3 -Rubrica: história. heresia nestoriana que negava a divindade de Jesus Cristo.

2 comentários:

Bruno Haller disse...

Ufa... acordou inspirado hoje cara, tem muita coisa ai, depois vou dar mais uma lida pra absorver um pouco de toda essa informação!

Anônimo disse...

É isso... nesse sentido, compartilho um livro que fala de como um cara exerceu sua humanidade no limite, sem se corromper: "Ânimo", de Eugene Peterson (acho que é da Mundo Cristão). A capa é pra vender, mas o conteúdo traz uma descrição da vida e ministério do profeta Jeremias, homem feito do mesmo barro que a gente mas com aquele 1% de centelha que fez diferença!

Abraços,

Gustavo.