segunda-feira, 4 de agosto de 2008

NA RUA COM DEUS... DE BICICLETA.

Alguns já me perguntaram, e outros se perguntam:Por que na rua com Deus?
O nome me surgiu quase por acaso, olhando a foto de abertura do site - na verdade uma foto que tirei nas ruas miseráveis de um lugarejo na fronteira entre a República Dominicana e o Haiti chamado Peralta, onde um amigo luta com projetos de saúde e de negócios sociais. Andando por aquelas ruas, em meio a uma devastação ambiental e uma pobreza extrema, algumas palavras iam surgindo em minha mente.
Primeiro foi a palavra verdade..., seguindo adiante eu escutava no vento a palavra Caminho,... um pouco mais, vendo crianças trabalhando, um monte de gente sem ocupação, um silêncio denunciante de perda de esperança, surge como o impacto de uma onda sonora da qual não se ouve ruido, daquele tipo de som que se ouve com as entranhas, a palavra VIDA.
Juntando as três pude perceber o que eu encontrava naquelas ruas: o caminho, a verdade e a vida. Foi assim que percebi que não era o que, mas quem eu percebia ali. Era Ele.
Voltando para a louca Santo Domingo naquele dia, ruídos e barulhos ensurdecedores me acompanhavam no trajeto, música alta, som de motores, e muita distração. Já era difícil perceber qualquer coisa, qualquer presença.
Chegando em casa, nas ruas entulhadas dessa Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, cheias de gente em caixas de metal, som alto, CBN tocando, celulares, nada, a não ser o umbigo, podia ser notado. E em meio a isso, a quem se nota?
Em contraponto a tudo isso, me dou conta das possibilidades de renúncias capazes de me fazerem escutar. E uma delas é a renúncia ao apocalipse motorizado.
Existe uma profunda diferença entre andar numa caixa de metal que faz tudo por você, que te engana dando a sensação de movimento em pleno sedentarismo, e se movimentar a pé ou de bicicleta.
Quando nos movemos por nós mesmos fazemos o uso dos cinco sentidos, ampliamos o estado de alerta, a capacidade de perceber o outro, de conversar e de se envolver. Enquanto o automóvel nos desliga das relações humanas mais básicas (quem nunca xingou ou teve ganas atrás de um volante e desejou o mal do outro coisificado à sua frente), andar a pé ou de bike possibilita a atenção e o encontro.
Este estado especial de alerta abre olhos usualmente fechados em - e por - nossa sociedade motorizada. Abre olhos de percepção de si e dos outros, expande a capacidade de apreender o entorno. Neste sentido é muito coerente o conselho bíblico de falar e ensinar enquanto no caminho, enquanto se movimenta (Deut. 6:7).
Mais que os sentidos conhecidos, andar, pedalar e caminhar como que permite o uso de uma espécie de sexto sentido, capaz de ouvir com a alma e com o coração, de conversar consigo mesmo, de ouvir a si mesmo e de conversar com Deus, e ouvir a Deus e de por vezes estar ali ouvindo a conversa da nossa alma, da nossa psiquê com Deus e, na posição de platéia, aprender deste diálogo.
As facilidades da modernidade criam paradoxos contraprodutivos, disso já se sabe, e no carro se percebem alguns deles. A solidão do volante, dificilmente vira solitude, a rapidez do deslocamento, atrasa o encontro consigo próprio e o rádio ligado freqüentemente fecha os ouvidos para escutar a Deus.
Por que na rua com Deus? Por que é lá que Ele está. 
Deus não habita em estruturas construídas pelas mãos dos homens. Sejam estas de metal, de tijolos ou imateriais. Deus é livre, vai aonde quer e sopra aonde quiser. Não se deixa encarcerar nem manipular, Ele é. E onde melhor para encontrá-lo que na ausência de paredes? Do que no suave barulho da brisa que toca o rosto? No calor que queima a pele?
Para percebe-lo é preciso estar atento. Somente a pé ou de bicicleta a gente é capaz de se mover e estar assim atento. 
Não que a bike seja mágica, a gente pode produzir pequenos espaços de alienação quando anexa a ela periféricos que nos distraem e desconectam, comparáveis ao rádio ligado no carro, como o Ipod ou mp3 na bicicleta.
O que escrevo nesse blog muitas vezes vem dessas caminhadas ou bicicletadas. Aqui registro o que ouço e vejo.
Para terminar, posso contar o que me chamou a atenção para isso pela primeira vez. Lá pelos anos 70 eu ouvi ópera Rock TOMMY (disco - 1969 e filme - 1975), do THE WHO. Uma das músicas finais trás uma percepção que desde então me tocou. A letra (reproduzida abaixo) diz que o Messias apontou a porta mas ninguém teve a coragem (ou as entranhas ou algo menos educado para postar aqui) de deixar o templo e encontra-lo na rua. 
Ele continua lá, esperando por nós. Enquanto isso a gente acha que encontra algum sentido nas estruturas de culto ao consumo de nossa sociedade, nas religiões ou nos templos móveis sobre quatro rodas e a custo de combustível fóssil. 
Eu fico aqui, buscando ver se consigo me livrar cada dia um pouco mais, e de vez em quando me encontrar "na rua com Deus"

 assista o clipe do THE WHO


Estou livre, estou livre
E liberdade tem sabor de realidade
Estou livre, estou livre
E estou esperando que você venha me seguir

Se eu lhe contasse tudo que é preciso
Para alcançar o ponto mais alto
Você iria rir e dizer que 'nada é tão simples'

Mas já lhe foi dito muitas vezes
O Messias apontou para a porta
mas ninguém teve a coragem para deixar o templo!
Estou livre, estou livre
E liberdade tem sabor de realidade
Estou livre, estou livre
E estou esperando que você venha me seguir

I'm free -- I'm free,
And freedom tastes of reality!
I'm free -- I'm free,
And I'm waiting for you to follow me.
If I told you what it takes 
To reach the highest high,
You'd laugh and say "Nothing's that simple."
But you've been told many times before
Messiahs pointed to the door
And no one had the guts to leave the temple!
I'm free -- I'm free,
And I'm waiting for you to follow me.
I'm free -- I'm free,
And I'm waiting for you to follow me.

5 comentários:

Dago disse...

Bicicletas são para a gente um motor quente, não poluente. Parem os carros, diminuam os carros, queremos pedalar em todo lugar. Parem os carros, dimiuam os cigarros, queremos respirar, queremos cantar. É a invasão das bicicletas!
Plá

Claudio, num próximo blog, coloque o vídeo do doc do NNT... no "vale a pena ver de novo"!

Luis Patricio disse...

Vamos para a rua com Deus e de bicicleta

Rafa disse...

Foi maravilhosa a conversa na reitoria sobre Ivan Illich. Tudo que você falou faz sentido, faz parte da nossa natureza (que está totalmente distoricida). Vamos lutar sempre para abrir os olhos, ou desmascarar a realidade distorcida imposta as pessoas que estão a nossa volta. Desejo tudo de bom para você, que Deus te ilumine sempre. Seu blog é d+. Abraços. Rafael Buratto.

Gui disse...

Claudio, meu nome é Guilherme e eu acompanho há algum tempo o blog da igreja do caminho e depois descobri o seu blog tbm. Tenho lido seus textos, ouvido e assistido suas gravações, e também li alguma coisa sobre a Casa da Videira... Tentei entrar em contato pelo site da igreja do caminho, mas não obtive resposta.

Sinto que vcs tem algumas peças do quebra-cabeça que eu não consigo encontrar. Gostaria de conhecer mais de perto o trabalho de vocês, mas sou de São Paulo. Se puder, entre em contato no gui.gso@gmail.com para que eu me apresente melhor e talvez possamos combinar de conversar pessoalmente algum dia, nem que eu tenha que dar um pulo aí em Curitiba. :)

abraço

André Egg disse...

Cláudio,

imagino que quem está de mudança não tem muito tempo de atualizar um blog.

O que é ótimo por que dá tempo de ir fuçando no arquivo, onde certamente encontrarei coisas deliciosas, parecidas com as conversas que já tivemos.

Pus você lá no meu blog-roll e, em breve você será citado numa postagem. Se quiser olhar lá...