segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Panelas de Teflon ... nada adere, nada fica, tudo vai

Vivemos a sociedade dos direitos... pior, dos direitos i-n-d-i-v-i-d-u-a-i-s, assim mesmo, separadinho, pois que desde que a modernidade inventou tal conceito fomos nos tornando - e nos "tronando", pois que além de indivíduo cada um virou rei de seu mundinho - seres separados e particularmente animados por nossos sonhos egocêntricos. Alguns mais egos e mais reis que outros, é verdade, mais cheios de direitos que os outros, e mais certos de que seus interesses podem ser atacados, ou meramente ameaçados, pelo outro, e que precisam por isso ser "carnivoramente" defendidos.
Suspeito cá com meus botões o quão em desuso ficaria uma declaração universal dos DEVERES do ser humano.
Em particular, na categoria daqueles com mais senso de direitos ameaçados está a classe média, sempre pronta a pular e protestar, quanto mais vai se vendo parecida com aquela "gentinha lá de baixo" que nos últimos anos, seja por alguma inclusão ou melhoria, seja pela proletarização da tal classe média, foi ficando "incomodamente" próxima.
A classe média reclama muito.
Reclama muito aqui, reclama muito na Venezuela onde o doidinho do Chaves decidiu que eles tinham que pagar imposto (ora que absurdo) e de modo particular, tem reclamado muito na Argentina.
O texto de hoje aliás é inspirado de lá.
Ficaram famosos nos últimos anos os "cacerolazos" ou panelaços, como chamamos aqui. Com pessoas na rua, protestando contra o corralitos e outras demandas vividas por eles. Ultimamente de lá se ouviram panelaços intensos, em apoio aos fazendeiros produtores de carne e grãos que tiveram limitadas algumas opções de venda. Nas zonas mais abastadas de Buenos Aires a classe média alta saiu às ruas em apoio aos produtores, muitos deles envolvidos com mão de obra escrava, exploração de ervateiros, pagando salários de fome e coronéis de suas regiões. Muito barulho foi feito, e a derrota do governo celebrada.
Não conheço a família Kirschner, nunca os vi, e acho mesmo que o gosto político e pessoal deles é no mínimo duvidoso. Não tenho nada com isso e nem entendo de política Argentina. Mas de lá um cantor, Ignácio Copani, a partir da observação desta situação, escreveu uma belíssima canção cuja letra traduzo abaixo.
Nesta canção, ele faz um questionamento, que na verdade é o centro deste texto: O que nos leva a protestar?
Ele lembra na canção de quando não ouviu o som das panelas durante a ditadura militar, contra os assassinatos políticos, a favor dos pobres, das lutas coletivas por preservação de meios de produção argentino, de quando alguns que caíram em protestos, como o anjo da bicicleta que morreu e os meninos que ele alimentava ficaram sem ter quem lhes desse pão e amor. Ele lembra como é fácil reclamar e se insurgir por nossos interesses pessoais e como a mesma energia fica represada quando a coisa é pelo bem comum.
O que isso tem a ver conosco?
Uma das conseqüências da relação com Deus é a capacidade de amar o próximo como a si mesmo, levando-nos a considerar o bem do outro até mais importante que nosso conforto. Esta é, ou tem o potencial de ser, uma das conseqüências de seguir o carpinteiro de Nazaré.
Por aqui, vimos mulheres de militares há alguns anos batendo panelas; recentemente vimos os fazendeiros e madeireiros usando da força e mobilizando pobres cidadãos domesticados e dominados a se insurgirem pelo direito de desmatar para produzir carne, explorar madeira ilegal e de usar mão de obra escrava no Pará.
É bem comum vermos categorias com interesses de classe fazendo passeatas pelas ruas do Centro Cívico aqui em Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Tudo em defesa de mais direitos para os bancários, ou para os carteiros, ou para os professores, ou para mais sei lá quem. No mesmo local vemos da missa dos padres show-man ou dos crentes milagreiros, ao passear dos gays em parada, cada um pelo seu interesse, cada um mostrando sua força pelo bem buscado para sua categoria.
Em meio a isso enxergo outros movimentos no mundo, sem dono e sem chefe, como aqueles que lutam contra a OMC, ou se rebelam diante do grupo do G8, ou das rodadas de negociação da globalização, vejo grupos ecológicos e vegetarianos, lutando pelo bem de todos e inclusive dos que lhes combatem e me pergunto, onde deveríamos estar?
Eu tenho sido parte da BICICLETADA, um desses movimentos sem chefe, que faz duas coisas centrais para imaginar um outro mundo possível: critica a loucura presente, e com alegria promove a esperança e anima, energizando, a criatividade necessária para a construção de um outro modo de viver a partir da locomoção auto-propelida. É uma gota d'água no oceano, mas é uma gota pelo bem comum.
A maioria ali está apoiando um movimento para o bem de todos, sem classe, sem partido e sem sindicato. Ao contrário dos grupos classistas, lutamos ali por todos e promovemos algo melhor para todos. Não se está ali para impor outra ordem, mas para dar espaço a todas as ordens.
Na próxima vez que for participar de algo, olhe bem para você e veja por quem seus "sinos dobram".
A proposta cristã tem sido de amar o vizinho como a si mesmo, pensar nele muitas vezes primeiro, buscar a paz para todos e não mostrar sua força sobre todos, como muitas vezes fez a cristandade.
Quando os direitos individuais se sentem ameaçados, os temas são outros mas sempre em busca do melhor para nós mesmos, e o melhor talvez seria se em nós o tema que movesse fossem os outros: Outros amigos outros vizinhos, outros filhos, outros netos.
Caso contrário, como diz Copani, talvez seja melhor guardar a panela de teflon no armário da cozinha, deixa-la cozinhando, ou nas bonitas lojas do Shopping Center, ao invés de bate-la com a força da ideologia dominante.
Se nos escutarem, que escutem como sinos que dobram, e se perguntarem , por quem dobram os sinos, saiba, eles dobram por ti e por todos.
Assista aqui o vídeo de Copani e logo abaixo a tradução da letra da canção.
depois saia por ai de Bicicleta ou a pé, e veja como melhorar o mundo ao seu redor.

CACEROLA DE TEFLON - Ignacio Copani

Não te ouvi... Nos dias do silêncio ensurdecedor

Não te ouvi junto às mães da dor,
não soaste nem de longe, pelos
pequenos, pelos velhos esquecidos.
Não te ouvi... Pode ser que já não esteja ouvindo bem,
mas nas bordas das rotas de Neuquén,
não te ouvi enquanto matavam pelas costa meu professor

E entre nossos cantos desaparecidos
eu jamais ouvi o som de tua tampa resistente,
que resiste em compreender que há
tanta gente que em seus pobres recipientes só guarda uma ilusão.

Caçarola de teflón, volta para estante,
que a rua é das panelas militantes,
com valente aroma de panela popular.

Caçarola de teflón, volte aos bazares
ou a soar com os tambores militares
como tantas vezes te escutei soar.

Não te ouvi... quando o ruído das fábricas parou
quando abril seu mar de lágrimas encheu.
Não te ouvi com os parentes do dezembro adolescente, asfixiado.

Não te ouvi. Pode ser que meus ouvidos ouçam mal,
mas não escutei na exposição rural,
reclamar pela diária dos peões ervateiros,
pela rentabilidade dos empregados,
pelo tempo vindouro, para que venha para todos.

Não te ouvi nem te ouvirei porque não há modo
de juntar teu avaro cotovelo com meu aberto coração.

Caçarola de Teflon, volta pra estante

dos móveis das casas elegantes
que as cozinheiras vão sentir saudades.


Caçarola de Teflon, volte aos bazares
ou a soar nos concertos liberais
como tantas vezes te escutei soar.

Não te ouvi na poente de Kosteki y Santillán
Não te ouvi pelo engenho em Tucumán.
Não te ouvi nos desalojamentos nem nos bairros inundados deste lado.

Não te ouvi, na esquina de Rosário que estalou
Quando o anjo da bici se calou
e seus anjos pequeninos ficaram sem comida.

E jamais te ouvi na vida repicar desde aqui debaixo
por um jovem sem trabalho, à deriva.
Deve ser que desde cima,
desde os pisos mais altos
não se veja nunca o espanto e as feridas.

Caçarola de Teflon, volta pra estante.
Eu fico em uma marcha de estudantes
Onde tu nunca soubestes ressoar.

Caçarola de Teflon, volta aos bazares
ou a encher-te dos mais ricos manjares
que na rua não se costumam encontrar.
Caçarola de Teflon, vai …cozinhar

4 comentários:

Dago disse...

O q eu acho legal desse blog é o fato de chamar-se "na rua com Deus" e falar sobre as coisas que esse Deus solto fez e está a fazer. O Deus sem rótulo, sem dono.

Anônimo disse...

... e, completando o que diz Dago, posso dizer que é na rua que encontramos Deus. Jesus usava o templo como passagem. A verdadeira igreja tem esse espírito nômade, temporária e dinâmica. E a bicicleta pode ser nosso camelo...
Gustavo.

Unknown disse...

Somos parte da ruidosa sociedade do consumo e do conforto, não resistimos a um confronto que nos faça perder terreno nestas áreas... e assim caminhamos, ou melhor nos arrastamos como ovelhas onde o matadouro é uma enorme máquina de moer carne. E somente aquele que venceu a máquina poderá destruí-la, entretanto não estamos dispostos a acordar e abrir mão de nossas posições que nos parecem favoráveis.
Que DEUS tenha misericórdia de nós.
Quando nos calamos diante desta imundicie toda das crianças que morrem ou por violência ou por fome, quando permitimos que países invadam outros em busca de riquezas minerais ou ideológicas, quando deixamos que outras pessoas determinem o que comemos, pensamos e como agimos.
Quando abandonamos nossos irmãos a própria sorte sem lhes permitir acesso ao que DEUS nos concede a cada dia.
Acordemos... existe uma multidão de pessoas e a própria natureza aguarda o despertar do Povo de DEUS. Entretanto não é um crachá que define quem é ou não o é...
São atitudes como a de Ignácio Copani e de Claudio Hugo “Pocho” Lepratti ( O anjo da Bicicleta) que demonstram pessoas que abdicam do eu para o todo.
E afirmam com a vida que há ESPERANÇA porque JESUS ressuscitou.
Um abraço.

Anônimo disse...

Muito obrigado pela música e pelo texto!