The New York Times – Março 2010
O Dilema da Femivora
por PEGGY ORENSTEIN
Quatro mulheres que eu conheço - nenhuma das quais conhece uma à outra - estão construindo galinheiros no quintal. Desnecessário dizer que elas também cultivam produtos biológicos: a minha cidade, em Berkeley, Califórnia, é o Vaticano do locavorismo, a igreja oficial de Alice Waters. Hortas domésticas aqui são um dado tão comum como água encanada. Mas galinhas? Isso eleva a aposta. Aparentemente, já não é o suficiente saber o nome da fazenda de onde seus ovos vieram, agora você precisa saber o nome da ave que os produziu.
Todas essas meninas – chocando as crias - são mães que ficam em casa, mulheres altamente educadas que deixaram o mercado de trabalho para cuidar de amigos, maridos e filhos. Eu não acho que seja uma coincidência: o dilema do onívoro desembocou em uma saída inesperada da situação feminista, uma maneira pela qual as mulheres podem abraçar o lar sem se tornar Betty Draper. "Antes disso, eu sentia como se minhas escolhas fossem entre quebrar o teto de vidro ou aceitar a gaiola dourada", diz Shannon Hayes, uma pecuarista organica do norte do Estado de Nova York e autora do livro "Radical Homemakers", um manifesto para as feministas "de forno e fogão", que foi publicado no mês passado.
Hayes demonstra que o “problema original que não tinha nome" era tão espiritual quanto econômico: o mal-estar que dominou a vida das donas de casa de classe média presas em uma vida dividida entre correrias e compras. Uma geração, e muitas ações judiciais, mais tarde algumas mulheres encontraram sentido e poder através de um emprego remunerado. Outras apenas encontraram uma nova fonte de alienação. O que fazer? Os ganhos dos afazeres domésticos não tinham mudado - um risco aumentado de depressão, uma inutilidade sem sentido, dependência econômica em relação ao marido - só que agora, elas tinham o que era considerado uma "escolha": se você se sentia presa, era sua própria culpa. Além do mais, poderiam com razão argumentar as donas de casa de hoje, o cuidado do lar é desvalorizado em uma sociedade que mede o sucesso de uma pessoa pelo tamanho do contracheque, e onde seu papel se torna possível possível graças ao tamanho do contracheque de seu marido. Dessa forma, elas se viram presas em um movimento pendular interminável.
Entra em cena o galinheiro.
O femivorismo está fundamentado nos mesmo princípios de auto-suficiência, autonomia e realização pessoal que levou as mulheres para o mercado de trabalho em primeiro lugar. Dado o quão consciente (para não dizer obsessivo) tornou-se para todos saber sobre a origem dos alimentos - quem nestes dias não se mostra entusiasmado com compostagem? - a prática também confere legitimidade instantânea. Mais do que incorporar os limites de um movimento, as femivoras expandem os limites de outros: alimentação de suas famílias com alimentos saudáveis e saborosos, reduzir a sua pegada de carbono, produzir de forma sustentável, ao invés de consumir desenfreadamente. O que poderia ser mais vital, mais gratificante, mais moralmente defensável?
Há ainda um argumento econômico para a escolha de ninhos literais ao invés de figurados. A sabedoria feminista convencional sustentava que duas fontes de renda eram necessárias para fornecer as necessidades básicas de uma família - para não mencionar a proteção contra a perda do emprego, doença catastrófica, o divórcio ou a morte de um cônjuge. As femivoras sugerem que saber como se alimentar e vestir-se independentemente da circunstância e saber transformar a escassez em abundância, constitui uma rede de segurança igual – e talvez maior. Afinal, quem está melhor preparada para resistir a esta economia, a mulher de alto ganho que perde o emprego ou a dona de casa frugal que pode contar com suas galinhas?
Hayes consideraria os esforços dos meus amigos como admiráveis, se fossem parte de uma transição. Seu objetivo é maior: a renúncia da cultura de consumo, um retorno (ou talvez um avanço) para um tipo de preindustrialismo moderno no qual a casa é auto-sustentável, o centro do trabalho e sustento para ambos os sexos. Ela entrevistou mais de uma dúzia de famílias que estavam desenvolvendo esta forma de vida. Eles ganhavam uma média de 40 mil dólares anuais para uma família de quatro pessoas. Elas faziam conserva de pêssegos, recheavam linguiças, cultivavam couve, faziam sabão. Alguns evitavam seguros de saúde, e a maioria educa seus filhos em casa. Isso, creio, é um pouco mais além do que a maioria de nós estamos dispostos a ir: soa um pouco como ser Amish, exceto que com um carro (não mais de um, naturalmente) e uma agenda política verde.
Depois de falar com Hayes, corri para pegar minha filha na escola. Assim como corri para fazer um jantar rápido de quesadillas e ervilhas congeladas orgânicas, e me encontrei com o meu pensamento à deriva de volta à nossa conversa, ela levantou questões sobre a natureza do sucesso, satisfação, sustento, realização, comunidade. O que constitui "o suficiente"? Qual é a minha obrigação para com os outros? O que eu quero para o meu filho? A minha casa é o motor do materialismo ou um refúgio contra ele?
Eu compreendo a paixão por uma vida que é feita, e não comprada. E quem resiste ao apelo de trabalhar a terra? É como que uma parte integrante do caráter deste país, assim como à sua própria maneira o Wal-Mart também. Minhas amigas femivoras pode nunca fazer mais do que se esparramar na agricultura de quintal - mantendo um casal de galinhas, alguns coelhos, talvez uma ou duas colméias - mas elas ainda estão transformando a definição do que seja uma dona de casa: de algo que é menos sobre sujeira e mais sobre o solo, menos sobre aromatizador de ambientes e mais sobre um ambiente de ar fresco. Sua ação para o incremento da cultura das crianças vai além de uma carona para a próxima aula de reforço de matemática.
Estou tentada a denominar isso de "precioso", mas essa palavra tem variações de significado. Mas, novamente, até que pode ser apropriado. Hayes concluiu com a opinião de que, sem um propósito maior – ativismo, o ensino, a criação de um negócio ou a sua saída da casa - o entusiasmo das mulheres para as artes domésticas, eventualmente sucumbiria, especialmente se seus maridos não estiverem igualmente envolvidos. "Se você não entrar nessa como uma relação verdadeiramente igualitária", ela avisou: "você está criando uma situação perigosa. Pode haver perda de auto-estima, perda da alma e uma incapacidade para retornar ao mundo e ter estrutura. Você pode começar a imaginar, 'Para que é isso tudo?" Foi uma litania des para concertantemente familiar: se uma mulher não tomar cuidado, ao que parece, a cerca do galinheiro pode servir enjaula-la como certamente qualquer gaiola dourada o faria.
Peggy Orenstein, contribui como escritora no TNYT, é autora de "Esperando por Daisy", um livro de memórias.
O artigo original pode ser lido clicando aqui
4 comentários:
Claudio, acho que o trecho "especialmente se seus maridos não estiverem igualmente envolvidos" dá a direção para a solução do dilema. Para entender melhor, recomendo a leitura de um artigo do mesmo NYT: Futuro do feminismo depende dos homens
Valeu Fabs.... Vou ler e recomendar o artigo...
Como vc, o texto está bem na linha do que tenho pensado sobre o papel social do cristão. Especialmente com a leitura do livro de Jaques Ellul, recem lançado, "Anarquismo e Cristianismo". Esses galináceos das "donas-de-casa" são sementes da verdadeira Anarquia.
muito legal o texto Cláudio. obrigado por compartilhar.
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