segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

No meio da tragédia, onde está Deus, onde está o diabo?


Dizem as escrituras sagradas dos cristãos que o diabo vem para roubar, matar e destruir.

Diante das chuvas e da desgraça que se abateu sobre meu estado natal, se para alguns é difícil acreditar em Deus, para mim se torna fácil perceber o diabo.

Na loucura da concentração urbana, vejo o diabo seduzindo pela suposta facilidade, de dar um jeito de “viver melhor”, deixar o campo e a lida da roça para se amontoar em encostas na espera de que a sorte e a fortuna - estas que nunca chegam - abram uma porta e deixem entrar um daqueles seduzidos.

Vejo o diabo roubar. No roubo que se faz de espaços tomados da natureza, grilados, invadidos e usurpados. No roubo da propina recebida pelo fiscal, no roubo do político que vende ilusões e compra almas, no roubo dos secretários de obra, frequentemente derrotados em suas aventuras políticas e que usurpam a verdade da competência que lhes falta com a ferramenta do nepotismo que lhes indica. No roubo dos elementos da criação, fixados em matéria plástica que se acumula, entope e cria barreiras para a vida. No roubo de espaço das gentes pelos carros que ocupam mais área que seres humanos e mais trabalho escravo para se ter e manter uma falsa economia e impressão de velocidade. No roubo do tempo de comunidade feito pela TV por meio das antenas parabólicas paranóicas que permanecem de pé mesmo depois das tragédias. Nestes e em outros roubos, tenho de crer no capeta.

Vejo o diabo matar. No assassinato da memória, que força a esquecer a vida no campo, a organização da família em torno do ambiente, a esquecer os rítmos da natureza, as estações e os tempos. Que mata a memória do espalhamento da vila e do despojamento da vizinhança., com a vertical concentração urbana do lucro. Na dolorosa morte lenta da ignorância, morte maior, revelada na teimosia que insiste em ficar onde não se deve, que nega o perigo a si mesmo, que talvez seja o maior e mais diabólico assassinato: o da capacidade do ser humano de ponderar, de refletir, de ser razoável, de não ser bruto, mas suave. Ao ver a tolice forjada na mente de tantas vítimas que por meio da ignorância acabam se tornando os acusados por suas mazelas. A ignorância reina, pois que sendo um povo ignorante, bruto, teimoso e mal educado, mais fácil é de se vender a este ilusões, produtos e de conseguir o poder representativo do voto fácil.

Vejo o diabo destruir, ao induzir a ficar no caminho das acomodações naturais da topografia. Ao adiantar esse processo pelo desmate em troca de lucro, ao ajudar a vista grossa a não ver o grosseiro absurdo de permitir a irmãos e irmãs nossos viverem onde nem as plantas se fixam. Ao estimular a dependência de um mercado que promete em troca de dinheiro, tudo aquilo que teríamos em troca de trabalho. E vejo o diabo destruir a esperança, quando depois disso tudo, sai de fininho e pergunta: Onde está Deus?

Vejo Deus no peito da mãe que perdeu seu filhinho na enxurrada, vejo Ele soterrado ao lado do pai que hidrata o filho com a saliva para este não morrer, vejo Ele tirando entulho, vejo Ele na indignação acordada, vejo-o em cima de uma pedra tentando sinalizar para as pessoas e vejo-o na ira dos olhos de quem se percebe indefeso. Vejo Ele ao lado da vida, indignado, mutilado, escolhendo o lado do fraco e levando a culpa pelo que nós, seguindo o diabo, sabemos que no fim é nossa, de todos.

E se tem um diabo, é aquele que nos divide, nos isola de nós, dos outros e da criação. Diabo, como diz o significado de seu nome, é o que separa o todo, e nos coloca em partes, nos faz esquizofrênicos e sujeitos a sofrer o mal das armadilhas que nos seduzem.

E no fim, o ponto não é saber onde está Deus, nem de onde vem o diabo, mas onde estamos nós com a cabeça ao sermos teimosos, obstinados e insistirmos em crer que a facilidade de nossa momentânea decisão e estilo de vida é só problema nosso e que tudo pode em função de crescer, desenvolver e enriquecer.

Nem sei se é isso tudo, nem sei se é só isso, mas precisava escrever para que as lágrimas parassem de rolar.

4 comentários:

Anônimo disse...

Porque insistimos em ser tão cabeça dura?, infelizmente o resultado de nossas bobagens e teimosia as vezes vem de uma forma tão horrenda!
Texto de deabafo, porem um toque para tentarmos abrir os olhos, os quais parecem costurados com linahs de aço.
Deus, dai um pouco de conforto aos familiares.

Edy

Anônimo disse...

Amem!
Ziel Machado

Tuco disse...

Na mosca.
Lamentavelmente.

Jorge Tonnera Júnior disse...

Cara, muito boa reflexão. Deus está no mesmo lugar, nos esperando a seguirmos a sua maneira de viver, vivendo o seu Reino que se expressão por meio da reconciliação de todas as coisas. Aproveito para convidá-lo a seguir o meu blog tmb onde escrevo minhas reflexões ligadas a ecologia e o evangelho do Reino. Aliás postei lá a sua fala com a devida citação referente a mesa de diálogo da Cúpula da Terra em que eu pude estar nas duas vezes com o pessoal da A Rocha/Igrejas Ecocidadãs. Sua fala repercute ainda hoje em meu trabalho e em minha maneira de (re)pensar a vida. Deus abençoe.Meu blog é www.jorge-novidadedevida.blogspot.com