O texto do lecionário de hoje me fez pensar (clique aqui se quiser ler os textos).
Para quem não conhece muito das tradições do Oriente médio antigo, em especial da região onde hoje lutam Israel e Palestina, pode soar estranho e nojento pensar que algumas das religiões de cerca de 3000 anos atrás incluíam oferecer os filhos pequenos em sacrifícios de sangue, ou queimados até as cinzas, em cultos a deuses estranhos e com estranhos nomes como Baal ou Moloque.
Estes deuses ofereciam em troca prosperidade, sucesso, sossego e vida abundante, além de segurança contra intempéries e inimigos, mudanças na economia e na política, alterações do status social. A luta por manter o grupo de valores, o sistema de produção, a corrupção das autoridades e a manutenção de um determinado grupo político no poder era feroz, e implicava em intrincados jogos de sedução e poder.
O custo liturgico disto eram os bebês sacrificados, os filhos e filhas emulados e destroçados. Calava-se diante deste absurdo, porque no fim das contas não era uma questão religiosa, mas sobretudo de manutenção do status quo, das posições sociais, dos benefícios auferidos. A religião era motor e conseqüência, ao mesmo tempo, mas era só religião.
Em função deste sistema iníquo riquezas eram mantidas, comércio era feito, trocas realizadas, e a opressão dos pobres pelos ricos mantida inalterada. Mas um dia um profeta com um vaso de barro avisou: ACABOU. Deus esgotou a paciência, e não vai ficar pedra sobre pedra.
No texto do Apocalipse do lecionário de hoje, temos descrita a queda da grande cidade dominadora sobre o resto do mundo (lugar hoje ocupado por você sabe quem). Cidade com a qual todos negociam, e que garante a prosperidade de todos. E no fim da lista dos produtos comercializados por ela um recurso impensável: a venda de gente, ou como se chama hoje em dia “recursos humanos”. Filhos e filhas, certamente, de alguém.
Ao olhar para nossa sociedade em crise, a luta por não se alterar nada, a insegurança tomando conta das pessoas, a entrega passiva de nossa vida no altar da adoração do mercado e do lucro, da manutenção de nosso estilo de vida insustentável, a celebração do consumo e do dinheiro, para mim se torna muito difícil não traçar o paralelo.
Hoje nossos filhos e filhas são queimados em um sistema de educação pasteurizado e cerceador da liberdade, que a todos transforma em uma massa de iguais, onde a diferença é terapeutizada para que volte a ser parte do bolo podre de consumidores passivos, onde tudo é o dinheiro que faz e manda e onde eles são treinados para servirem, adorarem, obedecerem e pertencerem ao mercado, nele se encaixarem e por fim acabarem enfermos e estressados e consumidos pelo mesmo mercado. Nossos filhos perdem seus pais, os pais não tem tempo e nós os preparamos para serem mercadorias nas mãos do sistema de troca e que troca tudo por dinheiro.
ASSIM OS ENTREGAMOS NO MESMO TIPO DE HOLOCAUSTO, MENOS SANGRENTO POR CERTO, MAS IGUALMENTE CONSUMIDOR DE SUAS VIDAS.
Mas se ouvirmos as escrituras vemos ali um aviso semelhante ao que deu Jeremias com o vaso de barro: tudo isso é frágil, é nada e será quebrado.
Não quero escrever muito hoje, mas fico com o consolo do Salmo: Confiem em Deus, desconfiem do sistema, do jeitinho fácil, da caminhada comum a todos, nos bens roubados, dos outros ou da natureza, e nem tampouco confiem nas riquezas, aquelas que temos e as que podemos vir a ganhar no sistema. Só em Deus e com Deus está a fidelidade, e é certo que Ele retribuirá a cada um conforme seu procedimento.